A pandemia e a pandilha

 

“Que vivas em tempos interessantes” – Praga chinesa

Neste momento histórico da humanidade, que irá determinar muito do que será o futuro da civilização ocidental no século XXI – em temos sociais, económicos e políticos – assiste-se a uma grande diversidade de opiniões sobre as causas e as consequências da pandemia do coronavírus.

Se as primeiras, na fase em que nos encontramos, são pouco relevantes para a resolução do problema urgente que temos entre mãos (voltaremos a elas mais à frente), as segundas têm que ser tidas em consideração na definição das estratégias que cada país usa para conter a propagação do vírus pela sua população.

Essencialmente, foram seguidas dois tipos de abordagens:

  • a que assenta na informação obtida com o maior número possível de testes  à população, para apurar quem deve ser colocado em quarentena – casos confirmados – e quem deve ser isolado por cordões sanitários – casos confirmados e indivíduos assintomáticos que contactaram com pessoas portadoras do vírus. Os restantes prosseguem a sua vida profissional e, portanto, a actividade económica não pára, minimizando os custos económicos e sociais; e
  • a que impõe que todos permaneçam em casa, evitando sair. O país pára, literalmente. [1]

Num mundo ideal, a opção parece óbvia: todos deveriam seguir a primeira estratégia. A realidade, porém, é outra. Se não nos tivermos preparado adequadamente, na verdade só temos uma opção. E chamar-lhe opção é um eufemismo; é, tão só, a única coisa que nos resta fazer.

É sabido que o o objectivo de todo e qualquer governante é a manutenção do poder. Por essa razão, toda a definição de políticas está condicionada pela avaliação a que esse governo irá ser submetido nas próximas eleições.

Os governantes não se interessam por problemas que possam surgir para além dessa data. Se ganharem as próximas eleições, depois abordarão esses problemas; se perderem, quem estiver no governo nessa altura que os resolva. [2]

Por outras palavras: os governos têm incentivos para prosseguirem políticas populares e de agrado do povo, de modo a poderem assegurar a sua reeleição. Nesse sentido, é preferível gastar o dinheiro dos contribuintes em rotundas e estádios de futebol, que estão à vista de todos, que em investigação científica e testes clínicos, cujos resultados não se vêem imediatamente. Os custos, esses, são diferidos para o futuro e nunca são mencionados. Infelizmente, o tempo acaba sempre por revelá-los.

A visão miópica, de curto prazo, dos governantes impede-os, assim, de estarem preparados para poderem seguir a estratégia mais racional.

Quando confrontados com a situação de crise – provocada pela sua falta de preparação – a única abordagem que lhes resta é a segunda: a da coerção, coadjuvada pela epidemia de medo propagada pela informação social e pelas redes sociais para provocar uma resposta emocional na população.

Infelizmente, esta última não só não resolve a crise de saúde pública, como irá criar uma crise económica de dimensão inimaginável  para a generalidade dos cidadãos. [3]

Nunca é demais frisar: porque os governos, essencialmente, se preocupam com os seus próprios interesses, em primeiro lugar, e com os interesses dos seus eleitores, no tempo que sobrar, muitos não tiveram escolha possível: não estando preparados, tentam salvar a face anunciando um conjunto de medidas draconianas que podem não destruir o vírus, mas decerto destroem tudo o resto à sua volta. [4]

Ninguém, assim, os poderá acusar de não se terem esforçado. Julgam, desse modo, ganhar a confiança dos eleitores, quando chegar o dia do seu julgamento.

Acabamos falando, agora sim, das causas da pandemia. É pouco relevante se se trata de uma mutação natural de um vírus já conhecido ou se é “fabricado”. Se se tratasse de uma arma biológica, a resposta dos governos teria sido mais eficaz do que está a ser agora? Teria feito alguma diferença? O dinheiro dos contribuintes que vai para o Ministério da Defesa teria servido para alguma coisa? Iríamos importar máscaras dos nossos inimigos para nos protegermos? Boa sorte, portugueses…

Nesta pandemia, se há quem não pode morrer solteira é a culpa. A ciência encarregar-se-á de arranjar uma vacina que erradicará a doença do planeta; mas teremos que ser nós, os cidadãos, a fazer a pandilha sofrer as consequências dos danos provocados.  Como? Demitindo-os, obviamente.

Como disse John Kenneth Galbraith, “Em política, nada é tão admirável com uma memória curta”.

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[1] – Na crise financeira de 2008 aconteceu algo de semelhante. Confrontados com a existência de activos tóxicos (lembram-se?) nos mercados financeiros, e sem saberem quais os bancos que tinham esses activos nos seus balanços, o mercado de interbancário deixou de funcionar – parou, literalmente – porque os bancos não emprestavam dinheiro uns aos outros, sob pena de poderem ficar sem ele e, em consequência, de ficarem também em dificuldades: o chamado risco sistémico (de contágio). Então como agora, porque não existe informação sobre o estado de “saúde” de cada um, pagam todos por igual.

[2] – Outra forma de exprimir o mesmo conceito (tornada popular durante a crise financeira de 2008): Se correr bem, ganhamos nós (bancos, governo); se correr mal, pagam os outros (é mesmo preciso dizer quem?).

[3] – Hoje mesmo, nos EUA, divulgaram-se os números de pedidos de subsídio de emprego nos EUA: nos últimos quinze dias, o número de desempregados aumentou em dez milhões!

[4] – Com narrativas mirabolantes, como a do “alisamento da curva”. O objectivo é estar abaixo da capacidade instalada; não o tratamento dos doentes. Estes tem que se ajustar aquela, não o contrário.

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